A maior de todas as carreteras

Sobrinho de Chico Landi, Camilo João Christofaro foi um dos maiores pilotos dos anos de ouro do automobilismo nacional. Incentivado pelo tio famoso, começou sua carreira em 1953, disputando várias provas da Mecânica Continental (categoria formada por antigos carros de F1 equipados com motores V8 americanos de mais de 400 cv). Seu primeiro carro foi um Alfa Romeo-Ford também da Mecânica Continetal e que já tinha as características que marcariam todos os carros com os quais competiu: o número 18 (em homenagem a data de aniversário de sua mulher) e o desenho do personagem de gibi Lobinho, a pedido do seu filho que era fã do personagem. Posteriormente, passou a guiar um Maserati-Corvette com o qual venceu diversas corridas.

Camilo guiando sua Maserati 250F Corvette em Interlagos. Fonte: Histórias que vivemos [1].

Além da Mecânica Continetal, Christofaro disputou diversas provas de endurance com carros da FNM e Carreteras, até que comprou a carretera de Gimenez Lopes. Em 1963, decidiu que já era tempo de construir sua própria carretera usando como base um Chevrolet 1937 que teve o entre-eixos encurtado, teto rebaixado e para-brisa inclinado. A frente também foi modificada, sendo construída uma nova em alumínio que em muito lembrava os charutinhos da Fórmula 1 que competiram entre as décadas de 1950-60.

Chevrolet 1937 que deu origem à Carretera #18. Fonte: Blogsport F1 [2].

Não apenas a carroceria foi modificada, mas também a mecânica tornou-se uma das mais refinadas vistas em uma carretera. Freios a disco foram instalados e a suspensão traseira e caixa de câmbio foram retirados de uma Ferrari 250 GTO. O motor, um Chevrolet V8 de 323 cu (aproximadamente 5,3 litros) recebeu um cuidado especial com radiador Harrinson de alumínio, virabrequim, bielas e pistões retrabalhados, anéis de pistão de cromo-molibdênio, válvulas de escape e admissão maiores, cabeçote polido, escapamento de maior diâmetro, comando 505C roletado, molas de válvulas especias, varetas de molibdênio e fixador de válvulas de magnésio. Isso era suficiente para uma potência de cerca de 400 cv, que era transmitida através de pneus Pirelli 210VR15 na traseira (na dianteira os pneus eram Pirelli 175×400). Segundo estimativa de Camilo, ele teria gasto cerca de Cr$ 10 milhões para montar esse pacote, não fosse as diversas ajudas que recebeu, como os cardãs fornecidos pela Balli e a oficina de um primo que ficava à disposição para construção do bólido.

A #18 ainda nos estágios iniciais de seu desenvolvimento, com pneus radiais. Fonte: Blogsport F1 [2]. 📷Caique Fellows

A estréia foi durante os 1600 km de Interlagos ainda em 1963, em parceria com Antonio Carlos Aguiar, que terminou com um abandono. Durante os anos Christófaro foi ganhando fama devido a seus grandes desempenhos com a veloz Carretera #18, como nas vitórias das 250 Milhas e 500 Milhas de Interlagos em 1965, diversas provas do campeonato Paulista o GP IV Aniversário AVPC em 1966. Seus detratores, entranto, diziam que lhe faltava a vitória em uma prova mais longa, como as Mil Milhas, da qual já havia participado, mas onde nunca havia conseguido bons resultados. Pois bem, em 1966, naquela que foi uma das maiores edições das Mil Milhas, veio a consagração de Camilo em parceria com Eduardo Celidônio. Essa prova marcou o fim de uma era no automobilismo nacional, pois foi a última vitória de uma carreteira na prova mais importante do Brasil. A dupla Christófaro/Celidônio conseguiu o 3° posto no grid de largada, com um tempo de 3min55s6, atrás do Karmann-Guia-Porsche de Wilson Fittipaldi Jr. (3min28s2) e do Alpine 1300 de Luiz Pereira Bueno (3min47s2). Durante a prova, recebeu uma punição de desconto de duas voltas por ter corrido com as luzes apagadas durante a noite, o que os jogou bem para baixo na classificação geral. Contudo, um após o outro, os principais concorrentes que estavam a frente (os dois Karmann-Ghia-Porsche e dois Alpine 1300) sofreram diversos problemas e foram perdendo posições. Faltando poucas voltas para o fim, Celidônio estava virando em ritmo de classificação, e o único carro a frente da #18 era o DKW GT Malzoni de Jan Bader e Emerson Fittipaldi. Contudo este também sofreu com a perda do funcionamento de um cilindro de forma que a vitória ficou com Christófaro e Celidônio. Pouco depois dessa vitória, Camilo foi participar da Prova Rodovia do Café, no Paraná, e acabou capotando em uma depressão cheia de lama, o que destruiu parcialmente a carretera e o deixou com o tornozelo trincado.

Bandeirada das históricas Mil Milhas de 1966. Fonte: AdverDriving [3].

Apesar disso ele não desistiu da carretera e a reformou, participando ainda de várias corridas com razoável sucesso. Em 1967 foi 2° nas controversas 12 Horas de Interlagos, venceu as 100 Milhas de Interlagos e ainda participou das 6 Horas de Velocidade em Interlagos e das 250 Millhas de Interlagos, não completando ambas. Durante todo o seu período de vida a #18 recebeu diversos aprimoramentos, os mais notáveis sendo o novo coletor de admissão adaptado para receber quatro carburadores Weber de corpo duplo (que a deixou com cerca de 450 cv) e pneus slick mais largos. Com Interlagos fechado para reformas entre 1967 e 1970, pouco aconteceu no automobilismo paulista, e Camilo participou de poucas provas, a destacar um 4° lugar na Prova Governador Paulo Pimentel na Rodovia do Xisto no Paraná. Em 1970, participou da Copa Brasil de Automobilismo, contra carros bem mais modernos como os Lola T70 e T210 do Wilson e Emerson Fittipaldi respectivamente, Ferrari 512 S, Nissan Z432R e Alfa Romeo P33. Apesar de ter sido campeão em sua classe (Divisão 5 acima de 2000 cc nacional) a colocação de Christófaro na tabela geral foi um distante 14°lugar, com apenas um ponto marcado. Nos 1500 km de Interlagos, novamente veio uma decepção pois, após 3 horas de disputa intensa com o BMW #9 de Ciro Caires, um pneu estourou e fez Eduardo Celidônio bater e abandonar a prova.

A carretera em um de seus últimos estágios, com pneus slick e os carburadores saindo pelo capô. Fonte: GP Total [4].

A última vitória viria em 1970, no Festival de Recordes, uma corrida de quilômetro lançado do tipo que havia se tornado comum devido ao fechamento de Interlagos. Essa era a segunda vez que o evento era realizado na Marginal Pinheiros (a primeira foi vencida pelo Opala de Bird Clemente, com média de 232,51 km/h). Os dois principais concorrentes seriam o Galaxie com motor 7 litros de Luiz Pereira Bueno e a vedette do evento, o Lamborghini Miura de Alcides Diniz. O primeiro deles a ir para a pista foi Luiz Pereira Bueno, que conseguiu uma decepcionante média de 198,192 km/h, e o segundo foi Alcides Diniz, que obteve uma média de 224,413 km/h, com Alcides afirmando que poderia ter sido mais rápido caso o trambulador não estivesse falhando nas troca de quarta para quinta marcha. Chegou por fim a vez de Camilo, e na primeira passagem ele já conseguiu a média de 231,213 km/h, suficiente para vencer mas não para quebrar o recorde. Na segunda tentativa, Camilo conseguiu 242,261 km/h, suficiente para uma média de 236,737 km/h, com velocidade máxima de 268 km/h a 6700 rpm na trecho cronometrado. Camilo ainda voltaria a correr com a #18 na primeira etapa da Copa Brasil de 1971, esperando que o seu novo Fúria-Ferrari ficasse pronto, e desde então a Carretera repousa na mesma garagem que serviu de base de operações para o lobo do Canindé.

O Lamborghini de Alcides Diniz na prova que foi a última vitória de Christófaro com a carretera. Fonte: Brazilexporters [5].

Ficha técnica

Modelo
Carretera-Corvette #18
Fabricante Camilo Christófaro
MOTOR
Localização
Dianteiro, longitudinal
Tipo
Gasolina, 8 cilindros em V, duas válvulas por cilindro, refrigerado a água.
Cilindrada
 5359 cm3
Diâmetro x Curso
Não disponível.
Taxa de compressão
Não disponível.
Alimentação
Não disponível
Potência
450 HP
Torque
Não disponível.
TRANSMISSÃO
Ferrari manual, tração traseira, cinco marchas
SUSPENSÃO
Dianteira: Não disponível.
Traseira: Do tipo De Dion.
DIREÇÃO
Não disponível.
FREIOS
Disco nas quatro rodas.
RODAS E PNEUS
Não disponível.
CARROCERIA E CHASSI
Sedan, com carroceria em aço, 2 portas.
DIMENSÕES E PESO.
Comprimento
Não disponível.
Largura
Não disponível
Distância entre-eixos
Não disponível
Peso
Não disponível.
Porta-malas
Não existe
DESEMPENHO
Velocidade máxima
268 km/h
Aceleração de 0 a 100 km/h
Não disponível
Consumo de combustível
Não disponível
Preço
Não disponível

Histórico em competições:

1963
1600 Quilômetros de Interlagos Camilo Christófaro/Antônio Carlos Aguiar 6° Lugar (5° na categoria Força Livre)
1965
1600 Quilômetros de Interlagos Camilo Christófaro/Aguinaldo de Gois Filho 3° Lugar (1° na categoria Força Livre)
Prova Aniversário da APVC Camilo Christófaro 1° Lugar
Festival Interclubes Camilo Christófaro 1° Lugar
1000 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro/Antônio Carlos Aguiar 33° Lugar (18° na categoria Força Livre)
250 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro/Antônio Carlos Aguiar 1° Lugar
1966*
1ª Etapa do Campeonato Paulista (Interlagos) Camilo Christófaro 1° Lugar
2ª Etapa do Campeonato Paulista (Interlagos) Camilo Christófaro 1° Lugar
3ª Etapa do Campeonato Paulista (Interlagos) Camilo Christófaro 1° Lugar
GP IV Aniversário da APVC Camilo Christófaro 1° Lugar
Premio Aniversário ACESP Camilo Christófaro 2° Lugar
1000 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio 1° Lugar
GP Rodovia do Café Camilo Christófaro Abandonou
*Campeão paulista categoria Força Livre.
1967
12 Horas de Interlagos Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio 2° Lugar (1° na categoria Força Livre)
Prêmio Aniversário do Centauro Camilo Christófaro 2° Lugar (1° na categoria Força Livre)
6 Horas de Velocidade (Interlagos) Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio Abandonou
100 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro 1° Lugar
1000 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro Abandonou
250 Milhas de Velocidade (Interlagos) Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio Não largou
1968
Prova Governador Paulo Pimentel (Rodovia do Xisto) Camilo Christófaro
4° Lugar
500 Quilômetros da Guanabara Camilo Christófaro/Abelardo Aguiar Desconhecido
1969
Prova Namorados no Autódromo Camilo Christófaro 9° Lugar
1970
1500 Quilômetros de Interlagos Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio Abandonou
Festival Brasileiro de Velocidade Camilo Christófaro 3° Lugar (2° na Divisão 5)
Prêmio Tufic Scaff Camilo Christófaro 2° Lugar
12 Horas de Interlagos Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio Abandonou
250 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro Desconhecido
500 Quilômetros de Interlagos Camilo Christófaro 13° Lugar (8° na Divisão 5)
2 Horas de Velocidade de Pinhais Camilo Christófaro Desconhecido
GP Mackenzie Camilo Christófaro 3° Lugar
Inauguração do Autódromo de Tarumã Camilo Christófaro 3° Lugar
II Festival de Recordes (Marginal Pinheiros) Camilo Christófaro 1° Lugar (236,737 km/h)
1° Etapa da Copa Brasil Camilo Christófaro  13° Lugar
2° Etapa da Copa Brasil Camilo Christófaro  8° Lugar
3° Etapa da Copa Brasil Camilo Christófaro  Abandonou
4° Etapa da Copa Brasil Camilo Christófaro  Abandonou
* Campeão da Copa Brasil, Divisão 5 acima de 2000cc para carros nacionais, 14° colocação geral.
1971
12 Horas de Interlagos Camilo Christófaro/Eduardo Celidônio Abandonou
Prova dos Campões (Interlagos) Camilo Christófaro Desconhecido
250 Milhas de Interlagos Camilo Christófaro 23° Lugar (10° na Divisão 5)
1° Etapa do Torneio Brasil-Argentina Camilo Christófaro  Abandonou

Fontes:

A última vitória de uma carretera no Brasil. Disponível em: http://brazilexporters.com/blog//index.php/2007/09/26/a_ultima_vitoria_de_uma_carretera_no_bra?blog=5. Acessado em: 19/09/2011.

Nos tempos das carreteras – anos dourados. Disponível em: http://hiperfanauto.blogspot.com.br/2010/12/nos-tempos-das-carreteras-anos-dourados.html. Acessado em: 19/09/2011.

Zavataro, Carlos Eduardo. A “vitória moral” da DKW nas Mil Milhas de 1966. Disponível em: http://obvio.ind.br/As%20mil%20milhas%20de%201966%20-%20equipe%20Vemag.htm. Acessado em: 19/09/2011.

Peralta, Paulo Roberto. Camillo Christófaro. Disponível em: http://www.bandeiraquadriculada.com.br/Camillo%20Christofaro.htm. Acessado em: 19/09/2011.

De Paula, Carlos. Copa Brasil 1970 e 1972. Disponível em: http://www.brazilyellowpages.com/copabrasil.html. Acessado em: 19/09/2011.

Dias, Rafael. O preferido da alcatéia. Disponível em: https://areadeescape.wordpress.com/2010/03/21/o-preferido-da-alcateia/. Acessado em: 19/09/2011.

A Carretera 18. Disponível em: http://brazilexporters.com/blog//index.php/2007/10/22/a_carretera_18?blog=5. Acessado em: 19/09/2011.

#18. Disponível em: http://blogsportbrasil.blogspot.com.br/2009/01/18.html. Acessado em: 19/09/2011.

Pandini, Luis Alberto. “Nossa Goodwood!”. Disponível em: http://www.gptotal.com.br/2005/Colunas/Pandini/20070205.asp. Acessado em: 19/09/2011.

Levi, Paulo. Carreteras, agora mais longe de você. Disponível em: http://adverdriving.blogspot.com.br/2011/03/carreteras-agora-mais-longe-de-voce.html. Acessado em: 19/09/2011.

Revista Quatro Rodas, número 77, dezembro de 1966.

Revista Quatro Rodas, número 78, janeiro de 1967.

Revista Quatro Rodas, número 79, fevereiro de 1967.

Revista Quatro Rodas, número 81, abril de 1967.

Revista Quatro Rodas, número 84, julho de 1967.

Revista Quatro Rodas, número 88, novembro de 1967.

Revista Quatro Rodas, número 90, janeiro de 1968.

Revista Quatro Rodas, número 92, março de 1968.

Imagens

[1]: Retirado de: Amaral Jr. Rui. Mecânica Continental. Disponível em: http://ruiamaraljr.blogspot.com.br/2014/01/mecanica-continental.html. Acessado em: 05/07/2016.

[2]: Retirado de: #18. Disponível em: http://blogsportbrasil.blogspot.com.br/2009/01/18.html. Acessado em: 19/09/2011.

[3]: Retirado de: Levi, Paulo. Carreteras, agora mais longe de você. Disponível em: http://adverdriving.blogspot.com.br/2011/03/carreteras-agora-mais-longe-de-voce.html. Acessado em: 19/09/2011.

[4]: Luiz Alberto Pandini via GP Total. Disponível em: http://www.gptotal.com.br/2005/Colunas/Pandini/20070205.asp. Acessado em: 19/09/2011.

[5]: Retirado de: A última vitória de uma carretera no Brasil. Disponível em: http://brazilexporters.com/blog//index.php/2007/09/26/a_ultima_vitoria_de_uma_carretera_no_bra?blog=5. Acessado em: 19/09/2011.

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