Se você já abriu o capô do seu carro e se perguntou como aquele monte de metal, plástico, tubos e fios tem capacidade de fazer algo tão grande e pesado se mover, ou se você gostaria de saber o que significam termos como dois tempos, ciclo Otto e ciclo Diesel, você veio ao lugar certo. Nessa série de postagens iremos explorar os princípios de funcionamento e características principais dos motores de combustão interna mais comuns.
Introdução: tipos de motores
Os motores de combustão interna fazem parte de uma categoria de máquinas de fluxo chamadas de máquinas de deslocamento positivo. Dentro dessa categoria se enquadram máquinas motrizes, que produzem energia mecânica através do trabalho de um fluido, como os motores, e máquinas geratrizes que consomem energia mecânica para fornecer trabalho a um fluido, como compressores ou a bomba de água abaixo:
Existem diversos tipos de mecanismos para máquinas de deslocamento positivo, como pistões, rotores, engrenagens e diversas outras que iremos explorar no futuro, mas por hoje iremos nos concentrar nos motores de pistões alternativos, que tem seu funcionamento baseado no mecanismo biela-manivela.
Princípios mecânicos: O mecanismo biela-manivela
Como dito anteriormente, o principal elemento necessário para compreender o funcionamento da maioria dos motores é o mecanismo biela-manivela. Esse mecanismo é capaz de transformar movimento linear em movimento rotacional e vice-versa. Na imagem abaixo podemos ver esse sistema como aplicado em um motor, e seus principais componentes:
Observando o esquema acima, podemos entender o funcionamento básico do mecanismo biela-manivela em um motor: dentro do cilindro (1) a mistura de ar e combustível entra em combustão, e com isso se expande movendo o pistão (2) para baixo. Como o pistão está preso a biela (3) e a mesma ao virabrequim (4), o movimento linear é transformado em rotação do virabrequim, e essa rotação é a que é transferida até as rodas dos nossos automóveis. Depois do ciclo completado, o pistão é novamente impulsionado para cima devido a inércia de rotação, dando início a outro ciclo.
Ciclos de funcionamento
Após entender o funcionamento do mecanismo biela-manivela, vamos ver quais são os principais ciclos de funcionamento de um motor, ou seja, quais as principais formas pelas quais um motor “respira”.
Ciclo quatro tempos
O ciclo quatro tempos é criação do engenheiro francês Alphonse Beau de Rochas, mas a sua primeira implementação bem-sucedida foi pelas mãos do alemão Nikolaus Otto, ainda em 1876. Hoje praticamente todos os carros e motos que vemos na rua se utilizam de motores quatro tempos, que são assim chamados por que seu ciclo de trabalho é composto por quatro etapas bem distintas entre si:
- Admissão: o primeiro tempo do motor a válvula de admissão se abre, permitindo a entrada da mistura de ar e combustível para o cilindro, enquanto o pistão desce;
- Compressão: no segundo tempo, ambas as válvulas estão fechadas e o pistão começa a subir novamente, comprimindo a mistura;
- Explosão: o terceiro tempo o trabalho é realizado pelo motor, com a explosão da mistura que empurra o pistão para baixo;
- Exaustão: o quarto e último tempo é chamado de exaustão, quando a válvula de exaustão se abre para que o pistão possa expulsar o resultado da queima de combustível para fora do motor, começando o ciclo novamente.
Na animação abaixo podemos ver as etapas de funcionamento de um motor quatro tempos a medida que elas acontecem:
Principais vantagens do ciclo quatro tempos:
- Melhor controle da combustão pela distinção dos eventos em cada etapa, melhorando a eficiência e reduzindo as emissões de poluentes;
- Melhor lubrificação por contar com sistema de lubrificação isolado
Principais desvantagens:
- Maior peso em relação a um motor dois tempos de desempenho equivalente, pois ocorre uma combustão a cada duas rotações do virabrequim;
- Maior complexidade devido às válvulas e sistema de acionamento das mesmas;
- Maior custo de produção em relação a um motor dois tempos;
Ciclo dois tempos
Já o ciclo dois tempos é obra do engenheiro escocês Dugald Clerk, que o criou em 1878 através da simplificação do ciclo de quatro tempos de Otto. Hoje sua aplicação em veículos automotores é limitada, sendo muito comum ainda em máquinas como motosserras e roçadeiras, e também em karts. Como o próprio nome já diz, nesses motores o ciclo é composto por duas etapas bem distintas, como podemos ver abaixo:
- Tempo de força: diferente do ciclo quatro tempos, os motores quatro tempos não utilizam válvulas para o controle da entrada e saída de mistura ar-combustível no cilindro. Ao invés disso, janelas nas laterais do cilindro tem essa função, sendo a de admissão em posição mais baixa que a de exaustão. O primeiro tempo começa logo após a explosão, quando o pistão desce abrindo a janela de exaustão e os gases de combustão são expulsos, criando um vácuo no cilindro. Quando o pistão desce ainda mais ele abre também a janela de admissão, de forma que o vácuo criado começa a aspirar a mistura que estava presente no interior do motor.
- Tempo de compressão: quando o pistão inicia novamente seu processo de subida, acaba bloqueando a janela de entrada de mistura, e no processo termina de expulsar os gases de combustão. Continuando esse movimento, também a janela de exaustão é fechada até o momento onde ocorre uma nova explosão, dando início a um novo ciclo.
No gif abaixo podemos ter uma visão melhor de como essas duas etapas ocorrem:
Principais vantagens:
- Menor peso em relação a um motor de quatro tempos equivalente, pois a cada rotação do virabrequim ocorre uma combustão;
- Maior simplicidade devido a ausência de válvulas e sistemas de sincronismo;
- Menor custo de produção;
Principais desvantagens:
- Maior emissão de poluentes devido a necessidade de mistura de óleo ao combustível para lubrificação;
- Baixa eficiência devido a dificuldade de controlar a mistura dos gases de combustão com a mistura ar-combustível, pois os processos não possuem distinção clara;
- Dificuldade com lubrificação devido a impossibilidade de ter-se um sistema de lubrificação mais complexo.
Princípios Termodinâmicos
No último tópico abordado nesse post, agora iremos visualizar como os motores se dividem quanto ao seu ciclo termodinâmico, e entender quais os principais ciclos hoje encontrados em motores de combustão interna.
Princípios Termodinâmicos
Finalmente, agora iremos entender como um motor é capaz de gerar energia a partir da queima do combustível, vendo os principais ciclos termodinâmicos hoje encontrados em motores de combustão interna
Ciclo Otto
O ciclo Otto é aquele encontrado em motores a gasolina e a álcool, sejam eles de dois ou quatro tempos. Foi idealizado por Beau de Rochas, mas o primeiro a implementá-lo com sucesso foi o alemão Nicolaus Otto, em 1876.
Para entender ser princípio, podemos analisar o ciclo Otto ideal, que é uma idealização desconsiderando perdas e processos irreversíveis.
É composto pelos seguintes processos:
- 0-1: admissão isobárica (com pressão constante), do momento em que a válvula de admissão se abre até que o pistão atinja seu ponto mais baixo;
- 1-2: compressão adiabática (sem troca térmica com o ambiente), quando a válvula de admissão e o pistão se desloca de seu ponto mais inferior até o superior, aumentando a pressão da mistura ar-combustível;
- 2-3: combustão isocórica, que equivale a queima do combustível a volume constante, iniciada a partir de uma centelha emitida pela vela de ignição;
- 3-4: expansão adiabática, onde o trabalho é fornecido pela expansão dos gases resultantes da combustão;
- 4-1: Exaustão isovolumétrica, referente a fase de abertura da válvula de exaustão, onde os gases queimados são expulsos para o ambiente, igualando a pressão a do ambiente;
- 1-0: Exaustão isobárica, referente ao movimento do pistão no sentido de exaurir o restante dos gases remanescentes da queima.
Ciclo Diesel
O ciclo Diesel, como o nome já diz, é aquele encontrado nos motores movidos a Diesel, encontrado principalmente em utilitários. Diferentemente dos motores Otto, nos motores Diesel a ignição não necessita de velas de ignição, ocorrendo pela injeção do combustível em alta pressão diretamente da câmara de combustão. Nesse caso a ignição acontece pois quando comprimido aumenta de temperatura, chegando ao ponto de iniciar a combustão. Novamente vamos usar o ciclo Diesel ideal para entender seu princípio de funcionamento.
- 0-1: admissão isobárica (com pressão constante), do momento em que a válvula de admissão se abre até que o pistão atinja seu ponto mais baixo;
- 1-2: compressão adiabática (sem troca térmica com o ambiente), quando a válvula de admissão e o pistão se desloca de seu ponto mais inferior até o superior, aumentando a pressão da mistura ar-combustível;
- 2-3: combustão isobárica, quando o pistão atinge seu ponto superior e o combustível começa a ser injetado na câmara de combustão, prosseguindo por parte do movimento de descida;
- 3-4: expansão adiabática, quando a combustão termina e o pistão continua seu movimento de descida, realizando trabalho útil devido a expansão dos gases de combustão;
- 4-1: Exaustão isovolumétrica, referente a fase de abertura da válvula de exaustão, onde os gases queimados são expulsos para o ambiente, igualando a pressão a do ambiente;
- 1-0: Exaustão isobárica, referente ao movimento do pistão no sentido de exaurir o restante dos gases remanescentes da queima.
Nesse post vimos as formas mais comuns como os motores de combustão interna se apresentam, porém diversas outras formas foram pensadas, tanto na forma de diferentes ciclos termodinâmicos, quanto na forma de diferentes mecanismos e ciclos de funcionamento. Abaixo você pode encontrar exemplos de diversos outros sistemas que foram propostos ou que estão sendo propostos na sempre constante busca por maior eficiência.
Princípios mecânicos:
Motor de pistão rotativo X-Mini: https://nivelandoaengenharia.com.br/blog/2016/07/31/revolucoes-por-minuto-inovacoes-no-mundo-dos-motores-parte-2/
Motor de taxa de compressão variável Nissan VC-T: https://nivelandoaengenharia.com.br/blog/2016/08/20/revolucoes-por-minuto-inovacoes-no-mundo-dos-motores-parte-3/
Princípios termodinâmicos:
Fontes:
SAE Internal Combustion Engine Handbook. Chapter 2: Definition and Classification of Reciprocicating Piston Engines.
SAE Internal Combustion Engine Handbook. Chapter 5: Thermodynamic Fundamentals.
Manual de Tecnologia Automotiva Bosch, 25ª Edição. Motor de ignição por centelha (ciclo Otto), pgs. 482-486.
Manual de Tecnologia Automotiva Bosch, 25ª Edição. O motor a Diesel, pgs. 487-492.
Moran, Michael J., Shapiro, Howard N. Princípios de Termodinâmica para Engenharia, 4ª Edição. Capítulo 9: Sistemas de Potência a Gás.
Imagens:
[1]: Retirado de: Bombas ZM acionadas por roda d’água. Disponível em: http://www.zmbombas.com/bombas/. Data de acesso: 27/02/2017.
[2]: Retirado de: Fiat Punto 2016. Disponível em: http://www.fiat.com.br/tablet/carros/novo-punto.html. Data de acesso: 28/02/2017.
[3]: Retirado de: Volkswagen up. Disponível em: http://ae-plus.com/vehicle-development/volkswagen-up/page:3. Data de acesso: 28/02/2017.
[4]: Retirado de: Motores a pistão. Disponível em: http://aeronaves2014.blogspot.com.br/p/motores-pistao.html. Data de acesso: 01/03/2017.
[5]: 125 MAX evo. Disponível em: http://www.rotax-kart.com/en/Products/MAX-Engines/1-125-MAX-evo. Data de acesso: 01/03/2017.
[6]: Retirado de: Montadora espanhola destaca qualidades dos motores dois tempos. Disponível em: http://www.motonline.com.br/noticia/montadora-espanhola-destaca-qualidades-dos-motores-dois-tempos/. Data de acesso: 01/03/2017.
[7]: Retirado de: Termodinâmica V-20. Disponível em: http://www.mspc.eng.br/termo/termod0520.shtml. Data de acesso: 03/03/2017.
[8]: Retirado de: Termodinâmica V-25. Disponível em: http://www.mspc.eng.br/termo/termod0525.shtml. Data de acesso: 03/03/2017.
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