Casari A1 230: um dos pioneiros do automobilismo brasileiro

Norman Casari nasceu em 1936, em São Paulo, filho do industrial italiano Antonio Casari e Silvia Barbosa. O piloto aprendeu a dirigir aos 10 anos, incentivado por seu pai, porém participou de sua primeira corrida apenas aos 24 anos, à bordo de um Volkswagen em Brasília. Depois passou a participar de algumas provas com um DKW-Vemag, chamando a atenção de Jorge Lettry, chefe do Departamento de Competição da DKW, que o convidou para ser parte da equipe oficial da fábrica, tendo conquistado resultados expressivos. 

Norman Casari (DKW Malzoni) na pista com Paulo César Newlands (Ferrari 250GT Drogo). Fonte: Revista Auto Esporte

Contudo, o ponto alto de sua passagem veio com o recorde brasileiro de velocidade estabelecido no Cárcara, bólido construído sobre o chassis de um Fórmula Júnior com motor DKW e carenagem projetada por Anísio Campos.

Norman Casari no Carcará, com Jorge Letry, Anísio Campos e Rino Malzoni (em sentido horário).

Após o recorde, o Cárcara ficou na fábrica da Vemag, e eventualmente foi doado a Norman Casari, que na época estava decidido a construir um protótipo nacional capaz de fazer frente às Lolas e Porsches que dominavam o cenário nacional. Sem apoio financeiro do pai, que dizia que automobilismo era coisa de malucos, Norman abriu uma fábrica de minicarros para crianças e deu início ao projeto do seu protótipo em 1968, porém com a quebra do negócio de minicarros e sem a ajuda de nenhum patrocinador, Casari acabou comprando um caminhão e passou a trabalhar transportando café do interior de Minas Gerais para o Rio de Janeiro para financiar a construção do A1.

Histórico nas pistas

Os primeiros treinos do carro foram realizados no autódromo do Rio de Janeiro, com Bob Sharp ao volante. Segundo o piloto, nestes testes o carro se mostrou estável, porém com dirigibilidade deficiente nas retas, devido a um defeito na transmissão. Além disso, nos testes iniciais, o Casari A1 sofreu uma quebra de semi-eixo.

Protótipo Casari em testes antes da estréia.

A estreia do A1 nas pistas aconteceu poucos dias depois desse primeiro treino, nos 1.000 km de Brasília, a última  tendo Bob Sharp e Milton Amaral na direção, resultando em um abandono devido a problemas mecânicos, e para piorar, o carro ainda apresentava problemas de estabilidade direcional. Apesar de ter sido construído sem patrocínio, o Casari A1 (junto ao Repe 227 e à Lola T70), marcou a primeira equipe do automobilismo brasileiro com patrocínio, com a cervejaria Brahma dando nome à equipe: Casari-Brahma.

Protótipo Casari A1 em exposição durante os 1000 km de Brasília.

Em 1970, o Casari ainda participaria das 2 Horas de Curitiba, com o próprio Norman Casari ao volante, e já com modificações na geometria de direção e suspensão. O carro performou melhor, mas um novo problema surgiu: as pastilhas de freio não suportaram o esforço dos 20 minutos de prova, resultando em novo abandono. Além disso, o sistema de acionamento hidráulico da embreagem também se mostrou problemático.

Casari A1 nas 2 Horas de Curitiba em 1970.

A última prova da temporada para o Casari A1 foram as Mil Milhas Brasileiras, novamente com Bob Sharp e Milton Amaral. Para essa prova, o carro veio equipado com freios dianteiros a disco Mercedes-Benz, enquanto os traseiros permaneceram os de origem DKW. Contudo, o resultado foi novamente um abandono, dessa vez com uma junta de cabeçote queimada após meia hora de prova.

Milton Amaral no cockpit do Casari A1 durante as Mil Milhas Brasileiras em 1970. Foto: Acervo Gustavo Lemos.

Na temporada 1971, a primeira prova disputada pela equipe Brahma com o Casari A 1 foi a Corrida dos Campeões, com Jan Balder na direção. Para essa prova, os pontos de fixação da suspensão traseira foram reposicionados e o carro comportou-se bem na prova, porém uma quebra no suporte do trambulador resultou em uma modesta 13ª posição na classificação geral. Uma semana depois o A1 voltou às pistas, para o GP Internacional de Tarumã, prova de abertura do campeonato SUDAM. Mesmo sem as relações de marcha ideais para o traçado de Tarumã, mas já com a carenagem dianteira modificada, Jan Balder conseguiu terminar na 4ª colocação geral, e em segundo entre os carros nacionais, atrás da Lola T210 de José Renato “Tite” Catapani, do Vounta D3M Tornado de Ruben Alonso e do Fúria-Chevrolet de Pedro Victor de Lamare. 

Jan Balder ao volante do A1 em Tarumã.

Para a prova seguinte, o Torneio União e Disciplina em Interlagos, a equipe Brahma trouxe melhorias para o motor, com um comando de válvulas “copiado” da Iskenderian e válvulas maiores em um cabeçote retrabalhado, resultando na primeira vitória do carro, pilotado por Jan Balder.

Jan Balder no Torneio Disciplina e União. Fonte: Auto Esporte.

Em seguida, o carro participou do Festival de Recordes, competição de quilômetro lançado patrocinada pelo jornal O Globo e cronometrada pela revista Quatro Rodas. A equipe Brahma levou seus três carros – o Casari A1, a Lola T70 e o Repe 227 – e as grandes esperanças eram de que a Lola seria capaz de quebrar o recorde anterior, de Camilo Christófaro na lendária Carretera #18, porém problemas com a ignição do carro forçaram a equipe a se concentrar nos protótipos nacionais para a tentativa de recorde. Após duas passagens nos dois sentidos da rodovia Rio-Santos, Norman conquistou a marca de 238,890 km/h, superando a marca estabelecida por Camilo Christófaro em 2,233 km/h.

Norman Casari no Festival de Recordes. Fonte: O Globo.

Na mesma semana, a equipe Brahma se deslocou para Interlagos para a disputa dos 500 Quilômetros, uma prova que tinha como favoritos os Porsche 908 e 910 da equipe Hollywood. Devido à participação no Festival de Recordes, a equipe não conseguiu participar  dos treinos, e somente entrou na prova após a desistência do Ford GT40 da equipe Arte e Instrução (por sabotagem) e da Lola T70 da própria equipe Brahma, acidentada na véspera da prova. Apesar de largar na última fila, Balder levou o protótipo às primeiras posições em poucas voltas, porém uma escapada de pista já no turno de Norman Casari causou uma quebra de suspensão, e por consequência o abandono da prova.

Casari A1 nos 500 Km de São Paulo, em 1971.

A última prova do Casari A1 aconteceu na Copa Paraná, prova para carros esporte de fabricação nacional que marcou a inauguração do traçado misto do Autódromo de Pinhais. Com Norman Casari ao volante, o maior adversário na prova foi o paranaense Luís Moura Brito, com um protótipo Manta VW 1700, que abandonou antes da metade da primeira bateria após uma quebra do cubo de uma das rodas dianteiras. Com isso, a vitória foi fácil, com 1 volta de vantagem para o Puma de Antônio Meirelles no agregado das duas baterias de 25 voltas.

Norman Casari na Copa Paraná em 1972. Fonte: Quatro Rodas.

Ficha técnica

O Casari A1 foi construído de acordo com o regulamento do Grupo 7, com um chassi tubular em aço molibdênio, e carenagem em fibra de vidro e alumínio desenvolvida por Renato Peixoto, usando como inspiração os protótipos do Can-Am, resultando em um peso de 850 kg. Essa carenagem foi “emprestada” do protótipo AC de Anísio Campos, porém adaptada para as diferentes dimensões do Casari.

Na esquerda o protótipo AC e na direita o Casari A1. Dessas imagens fica evidente o quanto o Casari era mais largo do que o AC.

O entre-eixos é de 2300 mm – daí o nome 230 que muitas vezes acompanha o protótipo. O protótipo recebeu motorização Ford LTD V8 de 4.5 litros (o motor do Landau), com quatro carburadores Weber de corpo duplo e componentes de preparação da Empy, válvulas Shelby, balancins de magnésio e varetas de molibdênio e um volante aliviado, resultando em uma potência máxima de 320 HP à 6.500 rpm. O motor era acoplado através de uma embreagem multidisco a uma transmissão ZF de cinco marchas com diferencial de deslizamento limitado. O comando de embreagem era hidráulico, da Borg & Beck.

Detalhe da suspensão traseira do Casari A1.

A suspensão é independente nas quatro rodas, do tipo Duplo-A na dianteria e McPherson na traseira om amortecedores Koni reguláveis em todas as rodas. O modelo contava ainda com freios a disco ATE-Dunplop nas quatro rodas e rodas de magnésio aro 15, com tala 10,5” na dianteira e 14” na traseira, com pneus Firestone e diversos elementos mecânicos retirados do Carcará, como o sistema de direção (o mesmo tipo do utilizado no Gordini).

Casari A1 230 no Museu do Automobilismo Brasileiro, em Passo Fundo. Fonte: Quatro Rodas.

Atualmente, o Casari A1 está restaurado, e encontra-se em exibição no Museu do Automobilismo de Passo Fundo, de Paulo Trevisan.

Resultados

Fontes:

Fazendo carrinhos, êle apresenta o carrão. A Tribuna, ano 76, edição 226, 12 de dezembro de 1969.

Um novo protótipo está correndo: é o brasileiro Casari. Revista Quatro Rodas, número 118, Maio de 1970.

Brasília. A vitória do Puma Mineiro em Mil Quilômetros de confusão. Revista Quatro Rodas, número 118, Maio de 1970.

O Porsche mostrou como sabe vencer. Revista Quatro Rodas, número 124, Novembro de 1970.

Um show de velocidade: Mil Milhas de Interlagos. Revista Quatro Rodas, número 126, Janeiro de 1971.

SUDAM. Começou uma nova era para nossas corridas. Revista Quatro Rodas, número 132, Julho de 1971.

Interlagos. Dois campeões nos 500 km: Lian e o Porsche. Revista Quatro Rodas, número 135, Outubro de 1971.

Recorde. O Prêmio para uma equipe. Revista Quatro Rodas, número 135, Outubro de 1971.

A festa foi de Casari. Revista Quatro Rodas, número 142, Maio de 1972.

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