O que você considera um motor grande? Para muitos brasileiros, 2 litros já são o suficiente para julgar um motor como grande e potente. Para outros, motores como o do Dodge Viper, com seus 8,4 litros são o objeto de desejo. Na década de 1960, Paul Jameson, um obcecado por motores Merlin, que já havia criado alguns carros experimentais equipados com esse motores, resolveu ir um pouco além disso e criar um carro de rua com o mesmo motor.
Para esse projeto, Jameson utilizou um motor Meteor V12 de 27,5 litros, retirado de um tanque Centurion (o Meteor é uma versão adaptada para o uso em tanques de guerra do Merlin), que foi montado como membro estrutural do chassis, porém Jameson foi incapaz de adaptar uma transmissão que fosse capaz de resistir ao torque do motor. Nessa parte da história entrou John Dodd, especialista em transmissões e proprietário da empresa Caja de Cambios Automaticas. Dodd desenhou uma caixa de ampliação para casar as baixas rotações do motor a uma transmissão automática GM Turbo 400 de três velocidades aliado a um transeixo retirado de um Jaguar XJ12. Além disso, o sistema de suspensão dianteiro foi emprestado de um Austin A110 Westminster enquanto o sistema de freios também veio de um Jaguar XJ12. Após o sucesso da adaptação, Jameson ofereceu o chassis por 500 libras a Dodd, e aí começou a nascer o The Beast.
Após resolver os problemas mecânicos que surgiram, o carro foi enviado para a Bob Phelps FGR, em Bromley, para receber uma carroceria de fibra de vidro customizada. Os irmãos Phelps já tinham experiência nesse tipo de projeto, fabricando carrocerias para dragsters, e foram desenhando o carro na forma de um cupê sobre o chassis de Jameson. Apresentado em 1972 durante, Custom Car Show no Crystal Palace e coincidentemente o carro lembrava um Ford Capri na traseira, e a longa dianteira recebeu uma grade da Rolls-Royce e até mesmo uma estatueta do Spirit of Ecstasy. O carro chegou a cravar um recorde de velocidade certificado pelo RAC para a meia milha lançada, e nas ruas também era notório pelas velocidades alcançadas. Os únicos que não estavam tão interessados na máquina eram os diretores da Rolls-Royce, que ameaçaram processar Dodd por quebra de direitos de marca.
Infelizmente, antes mesmo disso o carro sofreu um incêndio enquanto era levado para um salão do automóvel na Suécia, e queimou até que não sobrasse mais nada. Desolado, John Dodd levou os restos de volta para a Inglaterra, onde o chassis pode ser recuperado. Dessa vez, John obteve um motor Merlin Mk35 retirado de um avião de treinamento Boulton Paul Balliol. O motor é praticamente o mesmo do avião, porém sem o compressor mecânico e com o sistema de cárter seco substituído por um convencional (segundo Dodd, isso ajudou a melhorar o arrefecimento, já que esses motores não foram projetados para o uso em veículos terrestres). Assim o motor rendia cerca de 750 HP, e mais impressionantes 1.000 lb-ft de torque. Novamente a carroceria ficou a cargo dos irmãos Phelps, mas dessa vez nasceu uma perua de 2 lugares, no melhor estilo shooting brake. A pedido de Dodd, novamente foi montada uma grade dianteira da Rolls-Royce, e em 1980 o carro voltou as ruas, registrado como um Rolls-Royce!
Não demorou muito para que a Rolls-Royce efetivamente tomasse ação legal, e em 1982 o processo foi encerrado com vitória da empresa britânica, forçando Dodd a remover a grade e qualquer outra referência a marca. Uma nova grade foi criada, carregando as iniciais JD. Depois disso, Dodd se mudou para a Espanha, e dez anos depois o carro foi levado de volta a Inglaterra para ter o motor refeito pelo filho de Paul, Bob Jameson, e também o interior completamente reformado, além de ter participado de uma gravação para o antigo Top Gear.
Para quem pilotou a máquina, a sensação é que o carro é surpreendentemente dócil, apesar de a direção ser extremamente pesada por não contar com assistência hidráulica e o acelerador ser muito sensível devido a característica de baixas rotações do motor. Apesar disso, o carro é muito estável nas mudanças de faixa, e a aceleração é curiosa, pois o ganho de força é muito grande para a menor das variações das rotações. Segundo Dodd, a maior velocidade que ele já teve coragem de chegar com sua máquina foi 185 mph, pois apesar do carro ser estável com uma flecha em altas velocidades (mas nem tanto nas curvas), sua natureza artesanal torna arriscado manter velocidades tão elevadas. Um dos casos mais curiosos atribuídos ao carro é o do motorista alemão de um Porsche que ligou para a Rolls-Royce querendo saber sobre o novo modelo que o havia ultrapassado a 200 mph. Anos mais tarde, Dodd admitiu a revista evo que ele mesmo havia feito a ligação para se divertir. Hoje o carro repousa com Dodd e sua família, em Málaga, na Espanha.
Fontes:
Dodd, Paul. The Beast. Publicado em www.surreymuscle.co.uk.
Whatever happened to the V12 Jameson Special. Disponível em: http://www.prewarcar.com/postwarclassic/magazine/previous-features/whatever-happened-to-the-v12-jameson-special-018049.html. Data de acesso: 15/07/2016.
Ollie, Marriage: The Beast: evo10 Dream Drives: The Beast. Disponível em: http://www.evo.co.uk/features/features/228789/the_beast.html. Data de acesso: 15/07/2016.
Imagens:
[1]: Retirado de: Whatever happened to the V12 Jameson Special. Disponível em: http://www.prewarcar.com/postwarclassic/magazine/previous-features/whatever-happened-to-the-v12-jameson-special-018049.html. Data de acesso: 15/07/2016.
[2]: Retirado de: Wilkins, Tony; Centurion Mk1-5. Disponível em: https://defenceoftherealm.wordpress.com/2014/12/13/centurion-mk-1-5/. Data de acesso: 15/07/2016.
[3]: Retirado de: RetroRides Pro Boards: Is john Dodd’s ‘The Beast’ still going?. Disponível em: http://retrorides.proboards.com/thread/144933. Data de acesso: 15/07/2016.
[4]: Retirado de: Fotos de “The Beast” (La Bestia). Disponível em: http://www.automaticgearboxspain.com/fotos.html. Data de acesso: 15/07/2016.