Se alguém perguntar qual é a equipe de Fórmula 1 italiana, com carros vermelhos e que construía os próprios motores de 12 cilindros, a resposta é bem óbvia, certo? A primeira resposta que vem a mente com certeza é “Ferrari”, mas em 1990, se a sua resposta fosse Life, você também teria acertado.
Guardando certa semelhança com a Ferrari, o nome Life veio do sobrenome de seu fundador, Ernesto Vita, porém traduzido para o inglês. Tal como a Ferrari, a sede da Life era em Modena, mas não imagine uma estrutura gigantesca, já que no caso da Life a sede não passava de uma simples garagem sem estrutura e com poucos equipamentos.
A equipe nasceu com a finalidade de conseguir publicidade para o motor W12 de autoria do engenheiro Franco Rocchi. O italiano era já um experiente projetista, tendo no currículo motores épicos como os Dino V8 que equipara as Ferrari 308 GTB/GTS e o motor Tipo B12 que moveu os bólidos de Fórmula 1 da Ferrari por quase uma década. No período em que esteve na Ferrari, Rocchi trabalhou em um conceito de motor em W com três bancadas de 6 cilindros, totalizando um total de 18 cilindros. Esse conceito deveria ser capaz de produzir mais torque do que um V12 convencional, ao mesmo tempo em que permitiria um motor mais compacto. Contudo, o projeto foi cancelado antes de ser realizado, devido a uma mudança no regulamento da F1 que proibia motores com mais de 12 cilindros. Em 1979, Rocchi acabou se afastando da Ferrari após descobrir um problema cardíaco, mas o motor com configuração em W aparentemente continuou como um ponto em aberto na mente do italiano. Desde então, ele continuou suas pesquisas com esse tipo de motor, agora numa configuração de três bancadas com quatro cilindros cada, que deveria resultar em um motor do tamanho de um V8 convencional, e tão potente quanto um V12.
Nesse ponto cabe uma parada para diferenciar o conceito de motor em W da Life daquele conhecido em carros como Bentley Continental e Bugatti Veyron. No caso do motor Life, podemos ver que são efetivamente três bancadas de cilindros, duas inclinadas como em um motor em V e uma central e vertical. No caso dos motores das marcas do grupo Volkswagen, o motor consiste em dois motores VR unidos pelo virabrequim, podendo também ser chamados de V-VR (para saber mais sobre os diversos tipos de motores, clique aqui).
Retornando a história da Life, o motor de Rocchi ficou pronto na metade da temporada de 1989, época em que os motores turbos recém haviam sido banidos, e que consequentemente viu a entrada de vários novos fabricantes de motores no circo da F1. Nesse contexto, Ernesto Vita viu uma oportunidade de negócio, e procedeu a comprar os direitos do motor de Rocchi, renomeando-o como Life F35. O único problema foi que ninguém se interessou no exótico projeto de uma empresa sem tradição no automobilismo, mesmo com um nome como o de Franco Rocchi envolvido.
No fim, Vita, percebendo a falta de interessados, resolveu demonstrar a capacidade do seu motor competindo por conta própria, fundando a Life Racing Engines. Mas com isso veio outro problema, pois a empresa de Vita não contava com a capacidade técnica necessária para desenvolver e construir um carro de Fórmula 1. A saída então foi comprar um carro pronto, o First F189, bólido que deveria ter competido na temporada de 1989 pela equipe First, fruto de um projeto inicialmente conduzido pelo brasileiro Ricardo Divila, mas que foi depois concluído pelo italiano Lamberto Leoni. Esse chassi chegou a competir no Bolonha Motorshow de 1988, pilotado por Gabriele Tarquini, mas foi reprovado no crash-test obrigatório exigido pela FISA e jamais competiu em uma prova oficial, já que a First faliu antes mesmo do início da temporada de 1989.
O carro foi retrabalhado para poder receber o motor W12 e também para que pudesse ser aprovado no crash-test obrigatório, trabalho este conduzido principalmente por Gianni Marelli e que foi concluído em fevereiro de 1990. No início da temporada, a situação era no mínimo curiosa: a Life contava com um chassi, um motor e quase nenhuma peça reserva. O motor, que em teoria era muito promissor, acabou mostrando-se um fiasco, apresentando potência de cerca de 440 HP na rotação máxima de 11.000 rpm, contra cerca de 670 HP do motor Honda RA100E V10 do McLaren MP4/5B de Ayrton Senna. Curiosamente, o motor Life era bem leve, pesando apenas 140 kg, contra 160 kg do motor Honda. Mesmo assim, o carro era um dos mais pesados do grid, com cerca de 530 kg (para efeito de comparação, a Ferrari 641 com a qual Alain Prost competiu no mesmo ano pesava apenas 503 kg). Isso resultava em uma relação peso potência de 0,83 HP/kg, 60% pior que os 1,33 HP/kg que um carro de ponta desenvolvia na época. Agora com um chassi além do motor, o time fechou um acordo de fornecimento de pneus com a Goodyear, e também um acordo de patrocínio com a distribuidora de combustíveis italiana AGIP. Pinças e discos de freio vieram da Brembo, com pastilhas da Carbone Industries, enquanto a transmissão era uma caixa de 5 marchas com design externo próprio da Life, com o trem de engrenagens fornecido pela Hewland e a embreagem fornecida pela AP Racing. Com componentes oriundos de fornecedores tradicionais, os únicos elos fracos do projeto eram realmente chassi e motor, além do casamento de todo esse pacote.
O piloto titular escolhido foi o promissor Gary Brabham, filho do lendário campeão Sir Jack Brabham, que havia sido campeão da Fórmula 3000 britânica e piloto de testes da Benetton, enquanto o cargo de piloto de testes ficou com o italiano Franco Scapini. Durante a pré-temporada, poucos testes foram realizados, primeiro um shake-out em Vallelunga, além de um teste na famosa pista de Monza, onde o carro já dava sinais dos problemas que iria apresentar, principalmente relacionados à refrigeração e lubrificação.
Na primeira etapa da temporada, em Phoenix, o carro quebrou com apenas duas voltas durante a pré-classificação e voltou para a pista mais duas vezes, quebrando sempre antes de completar a primeira volta. Antes disso, porém, Divila já havia alertado Brabham da insegurança do carro que guiava. Apesar disso, o time seguiu para a segunda etapa, em Interlagos, obtendo um desempenho ainda pior, com o carro quebrando apenas 400 metros após deixar os boxes porque um dos mecânicos havia esquecido de colocar óleo no motor. Neste ponto, a desorganização do time era sem igual, chegando ao ponto de precisar pegar um medidor de pressão de pneus emprestado dos mecânicos EuroBrun.
Após esse fiasco, Brabham abandonou o time para correr na F3000 pela Middlebridge, tornando a situação ainda mais caótica. O primeiro candidato sondado por Vita para ocupar a vaga de piloto foi Bern Schneider, que deu a seguinte resposta: “Eu, definitivamente, não quero pilotar para eles”. Para piorar, Gianni Marelli deixou a equipe, e a fornecedora de pneus Goodyear ameaçava fazer o mesmo. Vários nomes como o neozelandês Rob Wilson, o italiano Franco Scapini e o brasileiro Paulo Carcasci foram cogitados, mas quem acabou ficando com a vaga foi o experiente Bruno Giacomelli, que a sete anos não competia na F1. Dessa forma, o time partiu para Ímola, onde o resultado mais uma vez foi horrível.
A quarta etapa, em Mônaco, seria provavelmente a melhor oportunidade para o time, pois as características da pista permitem que mesmo os piores carros possam obter um bom desempenho, e que, de certa forma, foi o que aconteceu. Pela primeira vez o carro conseguiu completar várias voltas em seguida (um total de dez) que culminaram em um tempo de 1’41”187, quase 20 segundos mais lento que a pole de Ayrton Senna e cerca de 2 segundos mais lento que o carro a frente, o Coloni de Bertrand Gachot. Faltando 20 minutos para o final da pré-classificação, Giacomelli retornou para os boxes ovacionado pelos mecânicos, que prepararam os pneus de classificação para o carro. Dessa forma ele voltou para a pista, apenas para ver o motor quebrar durante a segunda volta lançada. Como comparação do quão lento o carro da Life era, no mesmo final de semana foi disputado o GP de Mônaco de Fórmula 3, onde Alessandro Zanardi marcou a pole-position com um tempo de 1:37.007, 4 segundos mais veloz que o melhor tempo de Giacomelli!
A etapa do Canadá viu o fiasco de antes se repetir, com o carro ficando a 30 segundos da pole de Ayrton Senna. No México, a única volta completada foi na casa de 3 minutos devido à problemas no motor. Por essa época, Vita já fazia contatos com John Judd para usar os motores Judd no lugar do W12, mas a equipe utilizou-se do motor de Ricchi por várias provas ainda. Em Paul Ricard, o carro parou no meio da reta Mistral ainda durante a volta de aquecimento, e Silverstone viu um novo milagre acontecer, com Giacomelli completando 5 voltas seguidas e obtendo um tempo de 1’25”947, 18 segundos mais lento que a pole, mas ainda assim uma conquista para o time. Na Alemanha as deficiências do carro se mostraram ainda mais evidentes, pois ele era cerca de 60 km/h mais lento que os outros carros nas longas retas do circuito alemão, e novamente ficaram com o último lugar no treino, dessa vez 20 segundos atrás do carro mais próximo devido a equipe Coloni ter desistido dos motores Subaru e resolvido utilizar os Ford. A partir daí, veio uma sequência de resultados horríveis: 15 segundos do carro mais próximo na Hungria, 18 na Bélgica e 20 na Itália. Para a etapa de Portugal as coisas pareciam finalmente melhorar, pois o acordo de fornecimento dos motores Judd havia sido fechado e Mihail Pikovskiy da companhia soviética Pic que patrocinava a equipe desde o Grande Prêmio de Mônaco prometia investir 20 milhões de dólares no time bem como providenciar ajudas tecnológicas.
A realidade, contudo, mostrou-se mais uma vez trágica, com o prometido dinheiro nunca aparecendo. Para utilizar os motores Judd (da versão CV, utilizada desde 1988 vale lembrar) o Life L190B foi apresentado, na verdade o carro da First com algumas modificações. O problema é que nem nesse chassi o motor se encaixava, sendo que só foi possível encaixá-lo na base da marretada. Encaixado o motor, quem não encaixava agora era a tampa do motor. Finalmente, o carro estava pronto para ir para a pista, mas após meia volta o carro parou devido à problemas elétricos, mas não sem antes perder a tampa do motor.
Na Espanha, o desempenho não fugiu daquilo que ocorreu durante a temporada, com o motor quebrando após duas voltas ficando a 35 segundos do pole. Após isso, a equipe não apareceu para as provas da Austrália e Japão, finalizando sua participação na Fórmula 1. Recentemente, o Life L190 reapareceu no cenário mundial com o motor W12 pelas mãos do colecionador Lorenzo Prandini, que resolveu alguns dos problemas elétricos e de injeção de combustível de modo que o agora o carro conta com cerca de 600 cv. O carro esteve presente no Goodwood Festival of Speed em 2009, pilotado por Arturo Merzário e pelo próprio Lorenzo Prandini.
Ficha Técnica
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Histórico em competições
1990 |
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CORRIDA |
PILOTO | POSIÇÂO | MELHOR VOLTA |
Grande Prêmio dos |
Gary Brabham |
8° na |
2’07”147 |
Grande Prêmio do |
Gary Brabham |
9° na |
– |
Grande Prêmio de |
Bruno Giacomelli |
7° na |
7’16”212 |
Grande Prêmio de |
Bruno Giacomelli |
9° na |
1’41”187 |
Grande Prêmio do |
Bruno Giacomelli |
9° na |
1’50”253 |
Grande Prêmio do |
Bruno Giacomelli |
9° na |
4’07”475 |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
9° na |
– |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
9° na |
1’25”947 |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
9° na |
2’10”786 |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
9° na |
1’41”833 |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
7° na |
2’19”445 |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
7° na |
1’55”244 |
Grande Prêmio de |
Bruno Giacomelli |
7° na |
– |
Grande Prêmio da |
Bruno Giacomelli |
7° na |
1’42”669 |
Fontes
Life L190 the horror descendant of FIRST F1 effort. Disponível em: http://www.f1rejects.com/teams/life/profile.html. Acessado em: 25/05/2012.
Life Style: Primeiro, a First. Disponível em: http://www.motorpasion.com.br/competicao/life-style-primeiro-a-first. Acessado em: 25/05/2012.
Life Style: Desbravando um “W”. Disponível em: http://www.motorpasion.com.br/competicao/life-style-desbravando-um-w. Acessado em: 25/05/2012.
Life Style: Dois GP’s, uma volta!. Disponível em: http://www.motorpasion.com.br/competicao/life-style-2-gps-uma-volta. Acessado em: 25/05/2012.
Life Style: A volta de Jack. Disponível em: http://www.motorpasion.com.br/competicao/life-style-a-volta-de-jack. Acessado em: 25/05/2012.
Life Style: Os baixos e baixos da equipe. Disponível em: http://www.motorpasion.com.br/competicao/life-style-os-baixos-e-baixos-da-equipe. Acessado em: 25/05/2012.
Life Style: As marretadas e a volta!. Disponível em: http://www.motorpasion.com.br/competicao/life-style-as-marretadas-e-a-volta. Acessado em: 25/05/2012.
Life. Disponível em: http://www.chicanef1.com/indiv.pl?name=Life&type=c. Acessado em: 25/05/2012.
Summary of Honda Formula One Engine in Third-Era Activities. Disponível em: http://www.f1-forecast.com/pdf/F1-Files/Honda/F1-SP2_02e.pdf. Acessado em: 11/04/2019.
Wacky Racer. Disponível em: http://viewer.zmags.com/publication/5687d1a8#/5687d1a8/52. Acessado em: 11/04/2019.
Formula One Indoor Trophy – Bologna Motor Show. Disponível em: http://blogdocarelli.blogspot.com/2017/11/formula-one-indoor-trophy-bologna-motor.html. Acessado em: 11/04/2019.