A marca Momo é um dos nomes que vêm à mente quando pensamos em automóveis e preparação em geral. Fundada por Gianpiero Moretti, seu nome é uma abreviação de MOnza-MOretti e nasceu já com uma nobre missão: fornecer um volante especial para a Ferrari 158 com a qual John Surtees foi campeão de Fórmula 1 em 1964. Com o sucesso nas pistas, veio o sucesso comercial e com isso Moretti, que já competia desde o início dos anos 60 com modelos Lancia, Abarth e Porsche, passou a competir com o melhor maquinário disponível da Ferrari na época, a 512 S desenvolvida para enfrentar o mítico Porsche 917 nas pistas.
Moretti nas pistas brasileiras
Por sinal, esse carro chegou a competir nas Mil Milhas Brasileiras em 1970 – imagine só, seria o mesmo de ter uma Ferrari 499P competindo em uma prova local. Mesmo com o excesso de equipamento, a falta de conhecimento sobre a pista de Interlagos fez com que a dupla Moretti e Corrado Manfredini não conseguissem extrair todo o potencial do carro, e os diversos abandonos entre os protótipos resultou em uma assombrosa vitória do Alfa GTAm 2000 de Alcides e Abílio Diniz. O carro ainda participou das quatro provas da Copa Brasil no final do mesmo ano, porém sem vencer nenhuma das baterias.
Moretti construtor
A história de como Moretti influenciou a Ferrari para o desenvolvimento da 333 SP para o regulamento WSC/LMP1 é muito conhecida, porém sua passagem como construtor de carros com o nome de sua empresa é pouco conhecida. Em 1971, Moretti decidiu passar de piloto para construtor, abrindo uma oficina em Muggiò e contratando o engenheiro Giorgio Valentini, que já tinha no currículo o projeto do monoposto BWA de Fórmula 3 (a primeira aplicação de perfis de alumínio extrudado para a construção de um chassi de baixo custo para carros de baixo volume e uma técnica que anos mais tarde foi utilizada por Colin Chapman no Lotus Elise). Em setembro do mesmo ano teve início o projeto de um protótipo com motorização 2 Litros.
O chassi foi construído na forma de um monocoque de chapas de aço soldadas e uma subestrutura traseira tubular para montagem do motor, com o tanque de combustível de 80 litros instalado em posição transversal. Isso resultou em um chassi de apenas 55 kg, com uma rigidez torsional do carro final em 510 kgf.m/º.
Equipado com um motor Abarth/Osella 2 litros e 265 cv acoplado a um transeixo Hewland DG400, o pequeno protótipo utilizava um sistema nada convencional de suspensão, onde molas e amortecedores foram substituídos por elementos de poliuretano expandido com suportes em alumínio 2024 (Avional), comandado à distância através de atuadores hidráulicos de duplo efeito comandados por um grupo de válvulas, trabalhando com uma pressão de 90 bar.
Os cubos de roda dianteiros e traseiros foram fabricados em magnésio e receberam rolamentos ultra finos Kaydon para reduzir a massa oscilante do sistema. Além disso, os protótipos Momo trouxeram diversas inovações como freios traseiros in board e o volante com sistema de quick release, pré datando a estreia do sistema na F1 em um ano (o primeiro carro a ter o sistema de quick release do volante foi o McLaren M23, em 1973).
Esse carro chegou a ser inscrito, mas não competiu nos 1000 Quilômetros de Monza e de Zeltweg.
A estréia do Momo 2000 Abarth aconteceu ainda em 1972, prova da Interserie em Hockenheim, pilotado por Manfredini, ficando na sétima e última posição entre os competidores que completaram as duas baterias. Nesta prova, o carro sofreu com uma excessiva sensibilidade devido a uma curva de frenagem incorreta das válvulas, que foi em grande parte eliminada através do retrabalho das válvulas do circuito hidráulico da suspensão.
Em paralelo, durante o verão (europeu) de 1972, Moretti resolveu desenvolver um novo protótipo, agora equipado com o motor Ferrari 512M V12 e uma transmissão Hewland DG600, a mesma utilizada em protótipos da Can-Am e Interserie. Para isso, uma versão “alargada” do chassi do Momo 2000 Abarth foi construída, porém agora o monocoque foi fabricado em liga de alumínio com painéis colados e rebitados, resultando em uma seção frontal e uma seção central com duas vigas e um reforço cruzado em chapa de titânio para enrijecer a estrutura e dar suporte ao motor. O sistema de suspensão hidráulico foi mantido, porém agora trabalhando com 115/120 bar na dianteira e 95/100 bar na traseira devido à maior massa do carro, que ficou com uma distribuição de peso 32/68.
Nessa primeira versão chamada “Intermedio”, o Momo 5000 permaneceu muito parecido com o Momo 2000, sendo possível diferenciá-los principalmente pelo splitter na dianteira e pelos enormes radiadores instalados quase verticalmente ao lado do piloto.
Na configuração, os dois carros foram embarcados para o Brasil para competir nos 500 Quilômetros de Interlagos, que marcaria a estréia do Momo 5000 versão “Intermedio”. Manfredini seguiu competindo com o Momo 2000, enquanto o novo protótipo ficou aos cuidados de Moretti.
Na prova brasileira, contudo, o desempenho de ambos os carros deixou a desejar: Manfredini largou na 17ª posição com o tempo de 1m01s157 enquanto Moretti largou na 28ª posição sem marcar tempo.
Na prova, ambos abandonam: o Momo 2000 completou 34 voltas enquanto o Momo 5000 abandonou após somente 3 voltas.Depois disso, o protótipo 2 litros ainda competiu nos 500 Quilômetros de Ímola, agora com Moretti ao volante. Na classificação, o italiano obteve a 18ª posição no grid de largada com um tempo de 2m04s140, abandonando a prova ainda na primeira volta.
Posteriormente, o Momo 2000 foi passado à equipe de Virgilio Conrero, que o inscreveu na Targa Florio de 1973. Para essa prova, o protótipo recebeu uma motorização Opel GT 1.9 com cilindrada aumentada para 2 litros, ignição dupla, injeção mecânica e cabeçote com duplo comando de válvulas, resultando em 245 cv de potência. A dupla Giorgio Pianta e Pino Pica classificou o carro na 29ª posição (10ª entre os protótipos 2 litros), e se aproximavam da liderança após 5 das 9 voltas previstas, quando o motor de Conrero quebrou. Os problemas de motorização em conjunto com as dificuldades da suspensão hidráulica fizeram com que o projeto não fosse à frente, encerrando a história do Momo 2000.
Após os primeiros testes, ficou evidente que para utilizar o motor Ferrari V12 seria necessário redesenhar o carro completamente. Assim, foi construído um novo chassi para melhorar a instalação do motor Ferrari V12 e dos sistemas auxiliares.
Além disso, Valentini desenvolveu uma nova carenagem com um perfil muito mais elegante, com os radiadores posicionados na lateral do cockpit e dutos NACA para direcionar ar para o arrefecimento, e uma tomada de ar estilo “bule de café” que era comum entre carros da Fórmula 1 e do Mundial de Marcas na época.
Nessa configuração, o carro foi inscrito para a prova de Casale da Interserie em 1974, com Moretti abandonando ambas as baterias.
Desde então, o protótipo não participou de nenhuma outra prova, porém de acordo com informações foi para a Austrália em 1983, sem o motor Ferrari, onde deve passar por um processo de restauração.
Agradecimentos:
Deixamos nosso agradecimento a Ed Brunette, que compartilhou diversas matérias e imagens que fazem parte de sua pesquisa sobre Giorgio Valentini e os protótipos Momo, e que enriqueceram o conteúdo dessa publicação.
Fontes:
La macchina rossa. Disponível em: https://blogdamilmilhas.blogspot.com/2011/03/la-macchina-rossa.html.
A Ferrari de Moretti. Disponível em: https://www.alfaromeoclube.com.br/alfanews/a-ferrari-de-moretti/.
All Results of Gianpiero Moretti. Disponível em: https://www.racingsportscars.com/driver/results/Gianpiero-Moretti-I.html.
All Results of Abarth Momo. Disponível em: https://www.racingsportscars.com/type/results/Abarth/Momo.html.
Targa Florio 1973. Disponível em: https://www.racingsportscars.com/photo/Targa_Florio-1973-05-13.html?sort=Default.
All Results of Momo. Disponível em: https://www.racingsportscars.com/make/results/Momo.html.
ON THE DESIGN OF A LOW-COST RACING CAR CHASSIS. S. Chignola, M. Gadola, L. Leoni and M. Resentera.
Giorgio Valentini progettista indipendente eclettico e innovativo. AISA·Associazione Italiana per la Storia dell’Automobile.
GIORGIO VALENTINI “TRE VETTURE DA COMPETIZIONE ESPERIENZE DI UN PROGETTISTA INDIPENDENTE” Milano, Museo della Scienza e della Tecnica 20 aprile 1991.
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Material sensacional, parabéns pelo conteúdo. Eu devo confessar que MoMo para mim eram somente os volantes esportivos, não sabia desta rica história na construção de automóveis de corrida.
Uma dúvida: quando você menciona que a rigidez torcional do chassi era de 510 km.f/°, esse valor diz respeito à torção elástica do material, certo?
Um outro ponto de destaque é a suspensão, pode os dizer que conceitualmente é a precursora da suspensão ativa.
Neste sistema, deveria ser complicado confiar na viscosidade do fluído que atuava no conjunto, pois ambas as propriedades da viscosidade (dinâmica e cinemática) variam de acordo com a temperatura ambiente, bem como se perde essas propriedades por resíduo do material mecânico atuante.
Obrigado pelo comentário, trabalhamos para ter um conteúdo único e que possa trazer novas perspectivas ao público! Respondendo à sua pergunta, a rigidez torsional é a medida de quanto torque é necessário aplicar para gerar uma deformação angular de 1 grau na fase elástica. Quanto a suspensão, a lógica de funcionamento é muito parecido com as suspensões hidráulicas passivas que a Minardi usou em 1993 e que anos depois retornariam como o sistema FRIC na F1, ainda que a execução nos protótipos da Momo seja um pouco diferente.