Após anos competindo com modelos de rua adaptados como a Carretera #18 e o Karmann Ghia Corvair, em 1968 o piloto Eduardo Celidônio decidiu bancar o projeto de um protótipo, projetado pelo então novato Ricardo Divila e construído na oficina Auto Mecânica de Anésio Hernandez, localizada no bairro de Santo Amaro.
Além de Hernandez, trabalhou na construção também o experiente Francisco Pisciutto, que tinha no histórico diversos carros como o Bino e o Fitti-Porsche. Juntos, os dois trabalharam por mais de 2 meses em turnos de 16 horas por dia para finalizar a construção do carro à tempo da reinauguração de Interlagos em 1969.
Batizado Snob’s devido ao Snob’s Auto Cine, da qual Celidônio era sócio, o MK1 também ficou conhecido como Snob’s Corvair, devido à motorização Chevrolet de 6 cilindros herdada do Karmann Ghia. Esse motor recebeu comando e tuchos de válvulas Iskenderian e carburador Quadrijet, rendendo 145 HP e 20,5 kgf.m, e foi acoplado a uma transmissão Volkswagen com relações especiais para os circuitos brasileiros.
Uma peculiaridade era que o motor Corvair gira em sentido anti-horário quando visto do lado volante motor, sentido oposto ao do motor Volkswagen, de forma que não era necessário inverter a coroa do diferencial na instalação entre-eixos como a do Snob’s.
Outra curiosidade, compartilhada por Ricardo Divila em seu relato no X, é que Eduardo estava acostumado com a antiga posição vertical do assento da Carretera, portanto, ele sentava de forma que sua cabeça ficasse acima da barra de proteção. Carlos Sgarbi e outros pilotos, por outro lado, sentam-se em uma posição mais horizontal, conforme o projeto do carro, e portanto sua cabeça ficava bem abaixo da barra de proteção, como pode ser visto nas duas fotos abaixo:
O chassi, com entre-eixos de 2.34 metros foi construído em tubos de aço com paredes entre 20 e 40 mm, e dois tanques de combustível laterais totalizando 54 litros de capacidade. A suspensão dianteira era a original do VW Karmann Ghia, com barra estabilizadora e regulagem de altura, enquanto a traseira era independente com molas helicoidais e mangas de eixo de magnésio fabricadas pela empresa dos irmãos Fittipaldi. As rodas também eram Fittipaldi de magnésio, com 6 polegadas e na dianteira e 9 polegadas na traseira, calçadas com pneus Pirelli Corsa italianos, e a frenagem ficava por conta de discos ATE na dianteira e tambores na traseira.
A carenagem, inspirada pela Ferrari 612 Can-Am tal qual o Fittipaldi F4, outro projeto de Divila desenvolvido na mesma época, era de construção mista, sendo de alumínio na dianteira e fibra de vidro na traseira. O resultado final foi com carro com 570 kg, e velocidade máxima estimada em 215 km/h.
A estreia de fato ocorreu nos 1.000 km de Brasília, onde a dupla Carlos Alberto Sgarbi e Eduardo Celidônio não completou a prova.
A prova seguinte foram as 3 Horas da Guanabara, onde Celidônio competiu sozinho e completou a prova na 8ª posição geral e terceiro entre os protótipos. A melhor volta marcada na prova foi 1m41s5, 8 segundos mais lento que a Alfa 33 de José Carlos Pace mas próximo aos protótipos AC que também estreavam em 1969.
Melhor resultado foi conquistado na Prova Namorados, conquistando um quarto lugar tanto no classificatório quanto na classificação final. O mesmo resultado se repetiu nos 1.000 km da Guanabara, onde em parceria com Carlos Alberto Sgarbi conquistaram o sexto posto no grid de largada e completaram a prova na quarta posição em uma prova onde os carros mais velozes (Fitti-Fusca, Lola T70, Alfa 33 e Ford GT40) abandonaram ou se acidentaram antes da metade da prova.
A temporada 1970 se iniciou de forma agitada, com três provas disputadas no mês de março em Interlagos. Primeiro, veio um abandono nos 1.500 km de Interlagos, vencido por Ciro Cayres e Jan Balder com o BMW 2002 Schnitzer “Esquife Voador”. Melhor resultado veio no Festival de Velocidade, prova disputada em formato de duas baterias, onde Celidônio conquistou o quarto posto no resultado combinado, e no GP Taufic Scaf, com um terceiro lugar, também com Eduardo Celidônio.
A temporada seguiria com um bom 6º lugar nas 12 Horas de Interlagos, com Sgarbi e Luis Filinto Júnior se revezando na direção.
Seguindo nas provas disputadas em Interlagos, veio um quinto lugar nas 250 Milhas de Interlagos e um terceiro lugar nos 500 Quilômetros de Interlagos, com Eduardo Celidônio correndo solo em ambas as provas. Nos 500 km aconteceu uma situação inusitada, pois por um erro da organização o terceiro lugar chegou a ser anunciado para Roberto Dal Ponto, que corria com BMW 2002, que chegou a subir no buggy que levaria os três primeiros colocados para uma volta da vitória. Por fim, a confusão foi resolvida antes do Buggy partir e Celidônio pode receber as devidas honras.
Seguiu um abandono de Celidônio nas 2 Horas de Curitiba, onde o Snob’s apresentou bom desempenho mas teve de parar após a quebra da transmissão. Em seguida, Celidônio ficou na 12ª posição no GP Mackenzie, prova que marcou a primeira vitória do Fúria. Em seguida, participou do Festival de Recordes disputado na Marginal Pinheiros, ficando com a 4ª posição com a marca de 194,886 km/h, atrás da Carretera 18 de Camilo Christofaro, do Lamborghini Miura de Alcides Diniz e do Galaxie com motor 7 litros pilotado por Luis Pereira Bueno.
Após a prova de velocidade, o Snob’s participou das Mil Milhas, ficando na 17ª colocação com Jorge Mascarenhas fazendo dupla com Eduardo Celidônio. Fechando a temporada 1970, Celidônio participou da Copa Brasil com um oitavo posto na primeira prova (e primeiro entre os carros nacionais), abandonando a segunda etapa. Na terceira etapa, o Snob’s apresentou problemas e não conseguiu atingir a marca mínima de 3m40s para se classificar para a prova.
Em 1971, o Snob’s foi inscrito nas 12 Horas de Interlagos com Jorge Mascarenhas e Edgard Vaz, abandonando a prova, resultado que se repetiu na Corrida dos Campeões. A última prova do Snob’s foram as 6 Horas de Interlagos, onde foi inscrito com Jorge Mascarenhas e Claude Mishari na pilotagem. Curiosamente, essa prova que marcou a estréia do Fittipaldi F4 foi também a despedida do Snob’s, que acabou destruído após um acidente.
Resultados
Agradecimentos
Agradecemos aos membros do Grupo de Facebook Automobilismo nacional, época de ouro! Dos primórdios aos anos 80 pelo material compartilhado no grupo e lembranças que ajudaram a enriquecer essa publicação.
Fontes:
Corvair para o nôvo Interlagos. Revista Quatro Rodas, N 104, Março de 1969.
Brasília. Uma grande largada para 1969. Revista Quatro Rodas, N 106, Maio de 1969.
Automobilismo. O Cruzeiro, 24 de julho de 1969.
Guanabara. Lá vai o “Môco”, tranquilo em sua Alfa. Revista Quatro Rodas, N 109, Agosto de 1969.
Favoritos quebra e Lorena venceu fácil. Jornal dos Sports, Segunda-feira, 15 de Dezembro de 1969.
Paulistas protestam contra a vitória carioca nos “1000 km”. O Jornal, 21 de dezembro de 1969
1000 km em 9 Horas: Guanabara. Revista Quatro Rodas, N 114, Janeiro de 1970.
Outro pilôto, o mesmo carro, outra vez a Alfa em Curitiba. Revista Quatro Rodas, N 109, Agosto de 1969.
Na despedida, tôda a classe de Luisinho. A Tribuna, quarta-feira, 18 de março de 1970.
Vai esquentar o anel externo de Interlagos. Diário da Noite: Edição Matutina, 27 de março de 1970.
Na despedida dos novos, a vez do velho piloto. Revista Quatro Rodas, N 117, Abril de 1970.
O Melhor prêmio. Revista Quatro Rodas, N 117, Abril de 1970.
As 12 Horas de Luisinho. Revista Quatro Rodas, N 120. Julho de 1970.
250 Milhas. A Tribuna, terça-feira, 11 de agosto de 1970.
As boas corridas de hoje e amanhã. A Tribuna, domingo, 6 de setembro de 1970.
Rodada do Campeonato Brasileiro de Automobilismo é aqui domingo. Diário do Paraná, domingo, 4 de outubro de 1970.
O Porsche mostrou como sabe vencer. Revista Quatro Rodas, N 124, Novembro de 1970.
Os cobras da alta rotação. Revista Quatro Rodas, N 125, Dezembro de 1970.
Copa Brasil empolga: espanhóis querem ratificar liderança. A Tribuna, domingo, 13 de dezembro de 1970.
Emerson e mais três têm chance de vitória nesta Copa Brasil. A Tribuna, quinta-feira, 24 de dezembro de 1970.
Emerson não descuida, vantagem de um ponto não dá tranquilidade. A Tribuna, sexta-feira, 25 de dezembro de 1970.
FESTIVAL DE RECORDES – CARRETERA, LAMBORGHINI, FORD GALAXIE E CLASSIFICAÇÃO. Disponível em: https://www.conexaosaloma.com.br/festival-de-recordes-carretera-lamborghini-ford-galaxie-classificacao/.
Um show de velocidade: Mil Milhas Brasileiras. Revista Quatro Rodas, N 126, Janeiro de 1971.
Um novo recorde para Interlagos: Copa Brasil. Revista Quatro Rodas, N 126, Janeiro de 1971.
Copa Brasil: hoje a luta é por menores tempos. Folha de São Paulo, Ano L, I Caderno, 19 de Dezembro de 1970.
12 Horas de Interlagos: Vitória da Regularidade. Revista Quatro Rodas, N 129, Abril de 1970.
Interlagos: Foram seis horas de Porsche. Revista Quatro Rodas, N 133, Agosto de 1971.
Didn’t Porsche Design the Corvair? Disponível em: https://www.excellence-mag.com/issues/234/articles/didn-t-porsche-design-the-corvair.
SNOB’S – PROTÓTIPO DE RESPEITO. Disponível em: https://www.conexaosaloma.com.br/snobs-prototipo-de-respeito/.
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