TM1

Na nossa publicação de hoje vamos resgatar a história do protótipo gaúcho TM1, juntando as peças do quebra-cabeças que levou à construção de um mini Toyota GT-One em Porto Alegre, da união entre um chassi de Fórmula Ford, um jornalista-piloto e muita criatividade.

Muffatão M1

A história do chassi Muffatão M1 começa em 1981, época em que a Fórmula 2 brasileira era composta basicamente por monopostos oriundos da antiga Super V. Buscando modernizar a categoria, o piloto-político-empresário Pedro Muffato adquiriu a licença para fabricar em Cascavel o chassi Berta Mk2 de Fórmula 2, enviando seus técnicos à Argentina para aprender as técnicas construtivas necessárias para a fabricá-lo no Brasil. Ao que me consta, o Berta por sua vez nasceu do projeto Berta Super V, desenvolvido sob encomenda para a equipe Hollywood em 1976, num evidente exemplo de como a vida dá suas voltas…

Seis meses e 8 milhões de Cruzeiros depois, o primeiro Muffatão chegou às pistas e se estabeleceu como modelo dominante da F2 brasileira. Com o fim da categoria em 1986, o chassi cascavelense ainda foi adaptado para a Fórmula 3 sem grande sucesso e para a Fórmula Ford, onde obteve vida nova.

Toyota GT-One

A segunda peça do nosso quebra-cabeças é ligeiramente mais famosa. Com o fim do Grupo C em meados dos anos 90, os modelos Gran Turismo assumiram a posição de destaque nas provas de longa duração internacionais, inicialmente com grids formados por carros de rua adaptados às pistas como Porsche 911, Ferrari F40 e McLaren F1. Contudo, não demorou para que os fabricantes percebessem as vantagens de inverter a lógica, criando um carro de competição e depois realizando as adaptações necessárias para torná-los carros de rua. 

Do ponto de vista técnico, o design mais avançado dessa vertente foi sem dúvidas o Toyota GT-One, que mesmo sem ter vencido nenhuma das três provas nas quais competiu era tão avançado que praticamente não precisou de modificações para se tornar um GTP (Gran Turismo Prototype), quando a GT1 deixou de existir em 1999.

TM1

Agora vamos ao elemento final do nosso quebra-cabeças, o ex-piloto Paulo Torino. Vice-campeão Gaúcho Copa Chevette 97, Campeão Gaúcho Fórmula Ford (B), 1998 e cinco vezes vencedor na Classe Turismo das 12 Horas de Tarumã, o gaúcho também é professor e jornalista, com um currículo que inclui quatro livros de automobilismo, além de ter sido proprietário do Jornal PIT STOP (1993-2017) e atualmente ser editor do site www.corridaonline.com.br.

Voltando no tempo, em 2003 Paulo havia comprado um chassi Muffato da Fórmula Ford para correr naquela temporada, que ficava guardado na oficina do nosso quarto elemento, Leandro Maggenti. Ainda no início daquele ano, o jornalista comentou com o amigo que seria legal transformar o monoposto em um protótipo fechado, ao estilo do Toyota GT-One, carro que Torino considera o mais belo da história das 24 Horas de Le Mans. Leandro olhou para a foto e disse: “Eu construo esse carro!”, dando o pontapé inicial do projeto e mirando nas 12 Horas de Tarumã que aconteceriam em dezembro. Se revezariam como pilotos Paulo Torino (então um veterano com oito participações na prova em carros de turismo) e o próprio Leandro, que àquele momento ainda precisava fazer o curso para obter a carteira de pilotagem.

Trecho sobre o TM1 no livro Automobilismo Gaúcho – Corrida 12 Horas. Histórias & Estatísticas. Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Torino.

O monoposto emprestou sistemas de direção e suspensão para o novo carro, e um novo chassi construído mantendo as dimensões básicas porém alargando as laterais. Sem maiores referências além de algumas fotos e uma miniatura, os painéis em madeira foram esculpidos e montados sobre o chassi de aço. Após 347 dias o carro estava pronto e recebeu o nome TM1, em alusão aos nomes Paulo Torino e Leandro Maggenti, saindo da oficina na quinta-feira antes da corrida. Além dos dois amigos, revezaram a direção do protótipo os pilotos Rogério “Alesi” Donelli e Eduardo Satti. 

Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Torino.

No primeiro contato do carro com a pista, surgiu também o primeiro problema, como nos conta Torino: 

“Na primeira volta o aerofólio traseiro ‘dobrou’ – O Leandro havia desmontado a peça e retirou uma proteção de alumínio que havia dentro da estrutura. É claro, dobrou com a pressão do ar. Recolocamos a peça, e o Alesi já ‘virou’ 1m12s123 na segunda volta, tempo considerado excelente para um carro feito de madeira!”

Outro problema enfrentado pela equipe foi com o motor, e no final a equipe utilizou um motor emprestado pelo também piloto e construtor Paulo Barreto,  nas palavras do piloto-jornalista:

“O nosso (motor) não funcionou direito desde que chegamos no autódromo. Então resolvemos trocá-lo, aceitando a oferta do Barreto que emprestou um zero, e nunca nos cobrou por isso. 

O problema não era o motor, mas sim a ligação elétrica do contato de ignição. O fio terra estava ligado errado e isso proporcionava uma falha no funcionamento. Na correria, sem saber o que havia de errado, resolvemos trocar o motor. E tudo funcionou com perfeição até o meio dia de domingo.”

A prova, que teve 42 inscritos e contou como 5ª Etapa do Campeonato Brasileiro de Endurance, foi vencida pelo MCR Turbo #9 de Juliano Moro, Luis Paternostro, Giuliano Losacco e Xandinho Negrão, que completaram 526 voltas. Mesmo sem ter vencido, o valente TM1 completou 325 voltas, marca surpreendente para um carro que não havia realizado nenhum teste até o final de semana da prova!

Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Torino.

O TM1 ainda participou dos 500 Km de Tarumã em 2004, obtendo a terceira posição em sua categoria na prova vencida pelo Audi TT-R DTM de Xandy e Xandinho Negrão.

Análise Técnica

Do ponto de vista de design, o TM1 segue as linhas básicas do Toyota GT-One, adaptando-as à base mecânica de dimensões aproximadas de um Fórmula Ford. O resultado final ficou surpreendentemente fiel, considerando as limitações impostas pelo ponto de partida e técnicas construtivas disponíveis, além é claro do orçamento.

Na dianteira, o conjunto ótico (1) segue a mesma linha de design do GT-One, incluindo com quatro fachos de luz em cada lado, e os dutos de resfriamento dos freios logo abaixo (2). Tal como no protótipo japonês, a tomada de ar do motor fica sobre o teto (3), com um pequeno tubo (4) adicionado para arrefecer o cockpit. Outra característica emprestada do Toyota são as aberturas de ventilação das rodas dianteiras (5), que seguramente auxiliam no downforce dianteiro.

Passando a lateral, o principal elemento que entrega as origens do TM1 são as rodas da F2, de desenho inconfundível (6). Os sidepods (7) são também similares, e uma das grandes particularidades do TM1 são os dutos à frente das caixas de roda traseiras (8), possivelmente utilizadas para arrefecer os freios traseiros. Tal como no GT-One, o aerofólio traseiro (9), é suportado apenas lateralmente pelos endplates, que são fixados à seção traseira da carenagem.

Raro registro do TM1 em Santa Cruz do Sul. Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Torino.

Depois dos 500 km de Tarumã o TM1 nunca mais retornou para as pistas, e infelizmente já não existe entre nós, como explica Paulo Torino:

“Antes da minha mudança para a Europa, em 2017, deixei o carro numa fábrica de fibra em Novo Hamburgo para que fosse aperfeiçoado, rebaixando o teto, e retrabalhando toda a carroceria para que ficasse idêntico ao TOYOTA GTONE. Infelizmente, um incêndio consumiu a fábrica, e do protótipo restou apenas o chassi que, sinceramente, não sei se ainda existe.”

Agradecimentos

Deixo aqui meu agradecimento ao Paulo Torino pelas informações e imagens compartilhadas, que tornaram possível essa publicação.

Você também poderá se interessar por:

Spirit AR3 (2011 – )

Baseado no chassis do carro da Fórmula V 1.8 cearense, o Spirit foi projetado por Alexandre João Romcy como um protótipo robusto, seguro e de baixo custo.

Roco 001 (2019 – )

Apresentado em 2019, o Roco foi desenvolvido por Robbi Perez e José Cordova com base em um chassi Ralt RT34 de Fórmula 3 e o powertrain da Suzuki Hayabusa para a categoria P3.

Referências

Muffatão. Um ex-prefeito constrói no interior do Paraná o protótipo da mais veloz categoria do automobilismo brasileiro e põe sua cidade na era industrial. Revista Placar número 593, setembro/1981. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=vHXX7I_IfWoC&pg=PA63&lpg=PA63&dq=berta+f2+mkii+muffato&source=bl&ots=-ZYSfnDfl6&sig=ACfU3U0_5lffjbmHDSapKOMGlW3uE9_Cgw&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiIkKDXoZD0AhX3q5UCHbsaBG8Q6AF6BAgREAM#v=onepage&q=berta%20f2%20mkii%20muffato&f=false

Muffato, 45 anos: piloto construtor. Disponível em: https://lucmonteiro.wordpress.com/2011/12/02/muffato-45-anos-piloto-construtor/.

Joanna Moss On The Aerodynamic Development of the 1998-99 Toyota GT-ONE Racecars. Disponível em: http://archive2.dailysportscar.com/viewArticle.cfm@articleUID=FFBE5072-1143-FDC9-356684C06DD836E6.html.

1998-1999 Toyota GT-One. Disponível em: http://www.mulsannescorner.com/ToyotaGT-One.html.

Automobilismo Gaúcho – 12 Horas. Histórias & Estatísticas 1962 – 2020. Disponível em: https://1fefd672-b1b9-4da6-8c7c-74bbe0ed03bc.filesusr.com/ugd/061968_b199542a4ec145de8a93d9fdc3d83dc2.pdf.

2 thoughts on “TM1

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