Volkswagen Kombi 1977 Restomod – Nelson Assis

A maioria das pessoas vê um carro como um simples objeto, uma forma de transporte que pode levá-las do ponto A até o B. Enquanto não deixe de ser uma verdade, para nós gearheads os automóveis são muito mais do que isso. Parafraseando o jornalista inglês Jeremy Clarkson, nós não vemos carros como objetos compostos por metal, fios e vidro, mas como algo vivo com o qual podemos estabelecer relações de afeto ao reconhecermos suas falhas e qualidades. São essas características que dão um tom de humanidade e que explicam os diversos clubes que existem por aí, dedicados a modelos, marcas ou épocas que cujas peculiaridades representam os ideais daqueles que os compõe.

No artigo de hoje, vamos conhecer uma dessas histórias especiais, do engenheiro mecânico Nelson Assis e sua Kombi ano 1977.

O começo de tudo

Como dizem aqui em Minas, vamos começar pelo começo. Nelson, um mineiro de Belo Horizonte, sempre foi apaixonado por carros, e desde de os 7-8 anos já se envolvia com a mecânica automotiva. Primeiro, ajudando seu irmão e cunhado com serviços de manutenção que os dois prestavam, ainda que a princípio apenas com o serviço mais “braçal”, como a limpeza de peças. O tempo passou e o interesse não diminuiu, e essa paixão o levou a buscar a formação técnica na área, do curso técnico até a pós-graduação. Ao mesmo tempo, a vida seguiu com trabalho, esposa e filhos, mas o “bichinho” do carro antigo continuou sempre ao seu lado. Por muitos anos Nelson namorou a idéia de comprar uma gaiola, até que na sala de espera de um consultório odontológico viu pela janela uma gaiola vermelha abandonada em um ferro velho.

A primeira gaiola que iniciou a paixão de Nelson pelos carros antigos. Fonte: Arquivo pessoal.

Por alguma razão que nem o próprio Nelson sabe explicar, naquele dia mesmo ele decidiu passar pelo ferro-velho para ver o carro que havia chamado sua atenção, e como é comum nesses casos, foi negócio fechado. Pouco depois lá estava ele com seu Fiat Palio rebocando a gaiola para a garagem da sua casa. Mesmo depois de uma boa reforma não era viável emplacar a velha gaiola, que somente podia ser dirigida em estradas rurais. Apesar de divertida, ter que sempre a rebocar em outro carro acabava tirando um pouco da diversão.

Segundo projeto de Nelson, a gaiola acima foi emplacada e pode rodar pelas ruas. Fonte: Arquivo pessoal.

Dessa forma veio o segundo projeto, uma nova gaiola que dessa vez seria homologada para as ruas. Novamente, foram necessárias diversas idas e vindas, principalmente para concluir o processo de emplacamento e atender todos os requisitos exigidos pelo Detran. Com a ajuda de um despachante esse longo caminho foi vencido, e abriu espaço para outro projeto, dessa vez um Fusca ao estilo restomod.

Antes da Kombi, o Fusca restaurado por Nelson já dava sinais do estilo de restauração de Nelson. Fonte: Arquivo pessoal.

Esse estilo, para quem não conhece, consiste em reformar um carro antigo sem necessariamente ser 100% fiel a especificação original, reconhecendo que a tecnologia atual permite melhorar tanto o conforto quanto a segurança do veículo, e também adaptando a estética e performance ao gosto do proprietário. Atualmente, um dos grandes expoentes dessa vertente é a Singer Vehicle Design de Rob Dickinson, que a mais de uma década restaura e modifica Porsches icônicos.

Porsche 911 DLS, uma das obras da Singer Vehicle Design, em parceria com a Williams Advanced Engineering. Fonte: Singer Vehicle Design.

Contudo, o grande xodó é mesmo a Kombi, o projeto mais recente e também aquele que traz consigo a maior carga emocional para o mineiro, como veremos a seguir.

Um pouco sobre a Kombi

Pão-de-forma, corujinha, cabrita, saia e blusa, são inúmeros os apelidos associados a velha senhora. Criada a partir de um rabisco do holandês Ben Pon, inspirado pelos Platenwagens utilizados na sede da Volkswagen em Wolfsburg, a Kombi foi um sucesso tão grande quanto seu irmão mais velho Fusca.

O design singular marcou diversas gerações se tornou um ícone hippie, e cumpriu funções tão diversas quanto camburão, transporte escolar, transporte de cargas, motorhome e mais recentemente como food truck, através das diversas opções de carroceria disponíveis. Ao todo foram produzidas cerca de 1,5 milhão de unidades no Brasil, entre 1957 e 2013, quando finalmente o modelo deixou de ser produzido, por não ser possível (ou viável) adaptá-la às regulamentações de segurança que exigiam freios ABS e air-bags dianteiros para todos os veículos novos fabricados no Brasil.

A Kombi no Nelson

Mas além de um modelo icônico, a Kombi é daqueles carros que têm histórias em um nível pessoal com as pessoas, como o próprio Nelson relembra:

E depois veio a vontade de ter a Kombi, por causa do meu pai. Meu pai tinha uma Kombi, e como ele não dirigia era eu quem o levava para todo lugar, e como eu era muito novo, era uma emoção do c…. poder dirigir a Kombi dele. E eu cuidava do carro, era aquela época em que você lavava, colocava jornal, passava pretinho, todo aquele costume da época.

Como um bom engenheiro, Nelson não deixa de reconhecer que existem muitos avanços que podem ser incorporados a modelos antigos, porém ao mesmo tempo entende que por muitas vezes são os pequenos detalhes que reavivam as memórias e sentimentos do passado, como os “estalos” dos estágios de travamento da porta, que trazem à tona a experiência de abrir a porta quando levava o próprio pai aos diversos lugares que visitavam.

Partindo para a execução do projeto, foi encontrada uma candidata para a reforma. Essa unidade foi comprada, e surpresa negativa: quando começou o processo de reforma a Kombi era pura massa plástica, e apenas a frente não era batida, atestado pelos dutos de ar em perfeito estado. Aí entra o primeiro grande amigo de quem restaura carros antigos: o reboque. Entre idas e vindas foram Nelson conta pelo menos oito viagens até que o carro finalmente pudesse rodar por conta própria.

A Kombi antes do início do processo de restauração. Fonte: Arquivo pessoal.

A primeira experiência com lanternagem não foi das melhores, com um serviço que deixou a desejar. A solução veio de uma funcionária da empresa de Nelson, que comentou que seu marido Alexandre trabalhava com esse tipo de reforma e, conversa vai, finalmente chegaram um acordo para realizar o trabalho. Finalmente o processo teve início, com visitas quase diárias a lanternagem Brasilcar (atualmente Lanternagem e Pintura Inconfidentes) para acompanhar o processo ou ao ferro-velho para comprar peças. Ao longo de mais de um ano foram trocadas as laterais, tampa traseira e a parte traseira do chassi, até que o carro foi entregue já pintado para dar prosseguimento à parte mecânica.

 Além disso, muita pesquisa foi feita para definir a pintura do carro, que nos diversos estudos de cor chegou a ser preta, ter duas cores, três cores, até que a solução veio de um lugar inesperado: da combinação de azul e cinza presente nos caminhões da Scania, uma combinação já existente e de resultado garantido. Serviço completo, novamente o carro foi para o reboque para dar início aos ajustes dos componentes mecânicos.

Scania R440 série especial de 55 anos.

Os sistemas mecânicos como freios, suspensão e motor foram revisados pelo próprio Nelson em sua casa. O motor é um 1.600 a ar original, que foi restaurado, e a única alteração na suspensão foi um ligeiro rebaixamento.

O facão traseiro foi rebaixado em um dente, enquanto a suspensão dianteira foi montada com a manga invertida. Essa redução de altura trouxe seus desafios para obter um ajuste fino já que, após a modificação, os pneus dianteiros passaram a pegar na caixa de roda a cada quebra-molas.

A solução veio em um kit molão, comprado pela Internet e instalado em casa mesmo. Na falta da ferramenta de travamento de mola, uma solução caseira: cada elo foi travado com a ajuda de um alicate de pressão e arame, até fechar o pacote para a montagem. O resultado final foi aprovado pelo construtor, eliminando o problema de contato da roda mantendo um bom nível de conforto ao rodar (no final dessa postagem deixamos alguns vídeos demonstrando as modificações e como são realizadas).

A elétrica ficou por conta do Pedro da Eletric Car, que deixou o sistema pré-disposto para receber as modificações imaginadas pelo engenheiro, como o LED no motor e porta-malas.

Os faróis dianteiros são de LED, comprados pelo Mercado Livre, que se mostrou uma boa fonte para componentes dos mais diversos como bancos (os mesmos do up!), esguicho do limpador, mecanismo de vidros, entre outros.

A forração interna também foi feita fora, na empresa Autocar. Depois foi feito o serviço de acabamento final, com a instalação de LEDs no painel, sistema de som, mas como sabemos, a restauração de um carro é como uma casa, sempre existe algo que desejamos trocar ou melhorar.

O acabamento final também foi feito na garagem da casa de Nelson, que depois recebeu vidros degradê e um novo conjunto de guarnições de vedação da GR Vidros Automotivos.

Detalhe do pára-brisa degradê (o carro ainda estava com o conjunto de bancos antigos nessa imagem). Fonte: Arquivo pessoal.

O trabalho de fabricar e envernizar a carroceria foi também feito em casa, toda em madeira roxinho, uma madeira de difícil trabalho, mas de resistência garantida. O resultado, como podemos ver pelas fotos, ficou muito bom ainda que tenha adicionado cerca de 150 kg, como pode ser visto pela traseira altura da traseira da Kombi. Colocada no lugar, mais uma viagem para a funilaria para a pintura da carroceria.

Entre os planos para o futuro estão a inclusão de um sistema de direção elétrica, mas mantendo o volante original para manter a identidade do carro, e a instalação de um turbocompressor, já que o motor atual deixa a desejar com o peso extra da carroceria de madeira. Ainda que o motor AP fosse uma opção, Nelson não gostaria de seguir esse caminho para evitar as dificuldades para adaptação do radiador e outros sistemas necessários. Outra modificação, de cunho estética é adicionar um toque visual próprio ao madeiramento da carroceria, ao estilo de alguns caminhões antigos.

Além da beleza, o local escolhido para as fotos traz um toque de nostalgia. A presença dos trilhos de trem remete à profissão do pai de Nelson, que por anos trabalhou como manobreiro ferroviário.

CONTEÚDO ADICIONAL

Aproveitamos para deixar a referência dos prestadores de serviço que participaram desse projeto.

Deixamos também alguns vídeos demonstrando passo-a-passo as modificações realizadas na suspensão da Kombi.

REFERÊNCIAS

The Birth of the VW Bus: Fromt firts sketch to production. Disponível em: https://www.thetruthaboutcars.com/2010/04/the-birth-of-the-vw-bus-from-first-sketch-to-production/. Data de acesso: 20/dez/2020.

What is Restomod? Disponível em: https://www.cjponyparts.com/resources/what-is-restomodhttps://www.cjponyparts.com/resources/what-is-restomod. Data de acesso: 02/dez/2020.

Singer Vehicle Desing. Disponível em: http://singervehicledesign.com/. Data de acesso: 17/dez/2020.

Volkswagen Plattenwagen. Disponível em: https://sites.google.com/site/exoticcarspage/picapes/volkswagen-plattenwagen. Data de acesso: 13/dez/2020.

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